Acervos particulares

Como em um jogo sem fim, que instiga e apaixona, os colecionadores estão sempre em busca de uma peça rara a ser descoberta e conquistada

PAIXÃO: Pedro Paiva se apaixonou pelos vinis ainda na infância e hoje conta com uma coleção de 3500 exemplares

No mundo todo, milhões de pessoas catalogam desde miniaturas a automóveis, passando por eletrodomésticos e mobílias. E para os que pensam que essas pessoas são, na verdade, acumuladores de coisas, os especialistas afirmam que o ato de colecionar está ligado a fatores emocionais, como a nostalgia sobre determinada época, e até a aspectos econômicos, quando são vistas como um tipo de investimento. “Colecionar mexe com a adrenalina, com a química do corpo. É realmente algo prazeroso”, explica Renata Lima, fundadora do Instituto de Pesquisa do Colecionismo. “O ato de colecionar supera fronteiras e preconceitos. As coleções se tornam objetos de conversação e criam redes de amizades”, acrescenta Renata.

Foi a paixão por vinis que uniu o mineiro Pedro Paiva, de 31 anos, e mais quatro discotecários do Rio de Janeiro e de São Paulo no projeto “Vinil é Arte”. Donos de cerca de 10 mil discos, eles agitam eventos, festas e festivais exclusivamente com seus “bolachões”, antigos e novos. “Nós realizamos um trabalho de pesquisa. Além da música, levamos a cultura do vinil para as pessoas”, afirma Paiva que, sozinho, tem cerca de 3.500 LPs (long-plays). Segundo ele, o gosto pelos vinis começou ainda na infância, no convívio com a música dentro de casa, e o que era uma brincadeira se tornou naturalmente uma profissão. “Hoje os vinis pagam as minhas contas”, brinca.

Além de frequentar sebos, feiras livres, lojas especializadas e buscar na internet, Paiva ressalta a importância do contato. “Hoje as pessoas acumulam horas de música no computador, mas não assimilam o que ouvem. O LP exige que você o vire de um lado para o outro, olhe a capa, a ficha técnica. É uma relação mais íntima com a música”, pontua.

MIL UNIDADES: Entre as raridades de Alceu Massini está o aparelho usado na inauguração da tevê no Brasil

O interesse pelas coleções também faz de seus donos verdadeiros estudiosos do tema. “Colecionar é também preservar a cultura e transmitir tradições”, diz Renata.

Em Santo André, São Paulo, Alceu Massini, de 53 anos, conta, por meio de seus mil televisores antigos, a evolução dos tubos de imagem no Brasil. “A coleção está praticamente completa. Há aparelhos de 1948, dois anos antes de a televisão chegar ao País, até 1992”, diz. Entre as raridades, há o equipamento usado na inauguração da tevê no Brasil.

Mas sua maior preciosidade é o televisor de 1956, que pertencia a seus avós e foi restaurado por ele mesmo. “Eu queria resgatar um pouco da minha infância. Foi aí que percebi que muito dos aparelhos estavam indo para o lixo, sendo destruídos à medida que se tornavam obsoletos”. As peças de Massini são utilizadas em propagandas, clipes e eventos.

Entre xícaras e bombons

"Meus netos sabem que ali não é lugar para brincar. Se alguma quebrar, o que é difícil, eu peço para o meu marido colar", diz Irene Macêdo de Jardim, dona de uma coleção de quase 800 xícaras

Na sala de Irene Macêdo de Jardim, de 69 anos, uma estante de três metros de altura deixa claro a quem chega qual é a paixão da campineira. Separadas por cores, as peças têm os mais diferentes formatos, tamanhos, pinturas e materiais. Colecionadora há 29 anos, Irene possui quase 800 peças (veja seu blog, Só xícaras), entre xícaras de café e chá e seus respectivos pires. “Eu sou apaixonada por elas. Fico feliz quando ganho uma, seja simples ou sofisticada. Cada xícara tem sua história: foi presente de alguém, é de algum lugar. Geralmente quem me dá, demonstra algum tipo de carinho por mim”, conta.

A coleção, que começou com o presente de uma vizinha, hoje conta com xícaras de diferentes regiões do País e do mundo. Mesmo com tantas, a aposentada diz que sente muito quando ocorre um acidente. “Meus netos sabem que ali não é lugar para brincar. Se alguma quebrar, o que é difícil, peço para meu marido colar”, conta.

Segundo Renata, o cuidado dos colecionadores vem do prazer e da dificuldade de encontrar os itens para as coleções. “Além disso, ali há um pouco da personalidade deles”, explica.

PRAZER: O interesse de Claudio Fieri por embalagens começou há 20 anos, quando ele trabalhava numa fábrica de chocolate

Homologado como o maior colecionador de embalagens de chocolate pelo site Rank Brasil, Claudio Fieri Junior, de 45 anos, conta que não há hora nem lugar para rechear seu catálogo, que já contém 1.945 embrulhos. “Esse número muda todo dia. Tenho ajuda de muitos amigos e familiares. Se vejo alguém comendo um chocolate do qual não tenho a embalagem, peço para a pessoa abrir com cuidado, para não rasgar”, conta.

Seu interesse por embrulhos de bombons, tabletes e confeitos começou há 20 anos, quando ele trabalhava numa fábrica de chocolate. Hoje, o catálogo revela delícias nacionais e internacionais.  “Quando você conversa com alguém que também coleciona, é diferente, pois ela sabe o valor de uma coleção. Para mim, cada novo pacote que coloco na pasta é um momento de prazer e lazer”, afirma. E brinca: “Enquanto existir chocolate, eu vou colecionar as embalagens”.

É o prazer que diferencia os colecionadores das pessoas obsessivas por apenas acumular. “A coleção é para ser curtida. Quando ela vira motivo de ansiedade, temos um problema”, finaliza Renata.